
Todos conhecem Carlos Gardel, o mito do tango. Mas você sabia que um dos seus principais colaboradores artísticos era “brasileiro”?
Digo “brasileiro” entre aspas porque ele nasceu no Brasil por mero acaso e deixou o país ainda bebê, aparentemente sem criar vínculos. Assim como no caso de Gardel, os dados sobre sua chegada ao mundo são desencontrados. O certo é que ele nasceu em São Paulo, entre 4 e 8 de junho de 1900, e era filho de imigrantes italianos. Seu nome completo pode ter sido Alfredo Le Pera Sorrentino ou o mais pomposo Alfredo Alfonso de Paula Le Pera. Os pais já moravam ou estavam a caminho de Buenos Aires, mas tiveram que prolongar uma estada na capital paulista para que a mãe pudesse dar à luz. Quando o menino tinha cerca de dois meses, a família seguiu para a Argentina.
Na juventude, Alfredo foi aluno do dramaturgo e crítico teatral Vicente Martínez Cuitiño, que se impressionou com uma monografia sobre literatura espanhola escrita por ele e o apresentou aos círculos literários. Também aprendeu a tocar piano. Mais tarde, por pressão familiar, estudou quatro anos de medicina, mas abandonou o curso em favor do jornalismo.

Logo se tornou crítico de teatro para vários jornais argentinos e em 1923 começou a trabalhar como assistente de algumas companhias teatrais. Em 1927, estreou sua primeira peça, La sorpresa del año, ao lado de Humberto Cairo. Entre outras, escreveu também com Pablo Suero e Manuel Sofovich ¡Qué quieren los brasileños! e Melodía de arrabal, que mais tarde deu título a um dos filmes de Gardel.
Em 1931 escreveu a letra do seu primeiro tango, “Carillón de la Merced”, sobre música do famoso compositor Enrique Santos Discépolo, interpretado com grande êxito pela cantora hispano-argentina Tania no Teatro Victoria, em Santiago do Chile.
Poliglota, Le Pera também foi tradutor de intertítulos para filmes mudos, ofício que o levou diversas vezes à Europa. Em fins de 1931, fez uma viagem a Paris, onde começou a trabalhar para a United Artists e teve a chance de entrevistar Alfred Hitchcock para o diário Noticias Gráficas.
Foi nessa época que ele e Gardel, que já se conheciam de vista em Buenos Aires, começaram a travar contato por intermédio de um amigo em comum, o crítico Edmundo Guibourg. O cantor estava preparando Espera-me, coração! (Espérame, 1933), seu segundo filme nos estúdios da Paramount na França, mas estava insatisfeito com os estereótipos latinos incluídos no roteiro pelo diretor Louis J. Gasnier, então pediu auxílio a Le Pera.
Começava uma parceria que mudou a história do cinema e da música. A partir daí, Le Pera escreveu o roteiro de todos os filmes de Gardel na Paramount, tanto na França como nos Estados Unidos: Melodia de arrabalde (Melodía de arrabal, 1933), o curta La casa es seria (1933), O amor obriga (Cuesta abajo, 1934), O tango na Broadway (El tango en Broadway, 1934), Tango Bar (1935) e No dia que me queiras (El día que me quieras, 1935).
Também foi responsável pela letra das melodias do Zorzal Criollo para esses filmes, entre elas as clássicas “Mi Buenos Aires querido”, “Volver”, “El día que me quieras” e “Por una cabeza”.
Le Pera é amplamente reconhecido por elevar a qualidade poética das letras de tango, ao mesmo tempo tornando-as mais acessíveis a todo o público de língua espanhola.
Ele morreu ao lado de Gardel e outros músicos no histórico acidente do aeroporto de Medellín, em 24 de junho de 1935.