Rua 42

42nd Street

1933

Sinopse: Doente e sem dinheiro, um consagrado diretor da Broadway tenta montar seu último musical para ter uma aposentadoria segura. Porém, uma teia de interesses, egos e intrigas quase põe tudo a perder.

Em 1932, os musicais estavam em baixa em Hollywood. Após uma enxurrada de filmes na virada da década, os espectadores se cansaram do gênero e começaram a evitá-lo – donos de cinemas chegavam a colocar letreiros na fachada avisando que o filme em exibição não era um musical, para não afugentar o público.

Mas, em meados daquele ano, a Warner Bros. comprou, antes mesmo da publicação, os direitos do ousado romance 42nd Street, de Bradford Ropes. O filme resultante, para surpresa geral, não só foi uma das maiores bilheterias de 1933 como também salvou o estúdio da bancarrota e reinventou o musical, tornando-o um dos gêneros mais simbólicos da Era de Ouro do cinema.

Muitos são os fatores de sucesso de Rua 42, mas o principal deles são os espetaculares números musicais criados por Busby Berkeley. Foi Mervyn LeRoy, que estava escalado para dirigir o filme, quem sugeriu ao produtor Darryl F. Zanuck o nome de Berkeley, que desde 1930 coreografava os musicais de Eddie Cantor e estava em fim de contrato com Samuel Goldwyn. LeRoy acabou substituído por Lloyd Bacon por motivos de saúde, mas logo teve a chance de trabalhar com Busby em Cavadoras de ouro (Gold Diggers of 1933, 1933). Em 1939, ele também foi responsável por levá-lo para a MGM.

Bacon e Berkeley trabalharam à parte, em dias e estúdios diferentes. Zanuck deu liberdade e recursos totais para que o coreógrafo usasse a imaginação – e isso ele tinha de sobra. Busby, que iniciou a carreira organizando espetáculos no Exército, deu nova vida à câmera, mostrando dezenas (às vezes centenas) de coristas com pouquíssima roupa filmadas do alto de uma grua formando imagens caleidoscópicas. O enredo teatral do filme permitiu um encaixe perfeito para os números, mas Busby foi além, engendrando cenários que claramente seriam impossíveis em um palco de teatro – ele chegava a abrir furos no teto do estúdio para filmar.

Para Rua 42, Berkeley criou quatro números (assista na maior tela possível!):

You’re Getting to Be a Habit with Me – O primeiro e mais simples do filme, traz Bebe Daniels interpretando a canção que compara o amor ao vício em drogas (algo que seria impensável um ano e meio depois!). No final, um pitoresco sósia de Mahatma Ghandi leva a atriz embora. A música se tornou um clássico e foi regravada até por Frank Sinatra.


Os outros números vêm em sequência, no encerramento do filme:

Shuffle Off to Buffalo – Ruby Keeler e Clarence Nordstrom embarcam em um trem para a lua de mel. Magicamente, o trem se divide, transformando-se em um palco. O número é cheio de referências irônicas a sexo e divórcio.

Young and Healthy – Dick Powell canta para Toby Wing (que se limita a fazer caras e bocas), até que o banco em que eles estão sentados dá lugar a uma plataforma giratória. A câmera de Busby vai às alturas e mostra os coristas simulando uma espécie de roda cujo movimento se dá ilusoriamente por suas pernas e por tiras que eles seguram.

42nd Street – A música-título é o grand finale da história. Começa com Ruby Keeler cantando e dançando no capô de um táxi nova-iorquino e passa para a “rapsódia de risos e lágrimas”, flagrando o lado festivo e o lado sórdido da Rua 42, com um turbilhão de cenas urbanas, incluindo até um feminicídio. O número é um dos mais marcantes de Busby pela sua capacidade de coordenar uma grande quantidade de pessoas.


Um dia após terminar o trabalho, Berkeley ganhou da Warner um contrato de sete anos, com salário inicial de 1.750 dólares por semana. Ele também patenteou as plataformas giratórias e um equipamento inventado para facilitar o movimento da câmera, que chamou de “monotrilho”.

Além de Busby, LeRoy deu outra importante contribuição para o filme (e, por tabela, para a história do cinema): sua namorada Ginger Rogers. Ele convenceu a jovem atriz de 21 anos, ainda em início de carreira, a interpretar “Anytime Annie” Lowell (que “só disse não uma vez, e foi porque não tinha ouvido a pergunta!”). Os papéis de Annie em Rua 42 e de Fay Fortune em Cavadoras de ouro abriram caminho para que, no final daquele ano, Ginger fizesse seu primeiro filme ao lado de Fred Astaire.

A genialidade de Berkeley é incontestável, mas seus números não seriam nada sem as grandes canções de Harry Warren e Al Dubin. Os dois trabalhavam em editoras musicais compradas pela Warner. Daí até 1939 eles fariam cerca de 60 canções para o estúdio, incluindo quase todas as dos filmes de Busby. Em 1936, ganharam o Oscar de Melhor Canção Original com “Lullaby of Broadway”, de Mordedoras de 1935 (Gold Diggers of 1935, 1935).

Uma das cenas mais lembradas do filme é aquela em que o diretor Julian Marsh (Warner Baxter) diz à corista Peggy Sawyer (Ruby Keeler), quando ela é escalada de última hora para substituir a estrela do espetáculo: “Sawyer, você vai entrar como uma novata, mas tem que voltar como uma estrela!”

Ruby Keeler como Peggy Sawyer e Warner Baxter como Julian Marsh

Foi exatamente o que aconteceu com Ruby. Casada desde 1928 com o astro Al Jolson, ela só havia feito pequenos papéis na Broadway e alguns curtas-metragens, além de uma ponta no longa Paixão de todos (Show Girl in Hollywood, 1930). Um executivo da Warner viu um dos curtas e decidiu contratá-la para o papel (a opção original era Loretta Young). Keeler se tornou uma estrela da noite para o dia. Embora não fosse uma grande atriz ou dançarina, sua graça e sua aura de moça ingênua são arrebatadoras. O casal formado por ela e Dick Powell caiu no gosto do público, e eles fizeram um total de sete filmes juntos, sendo quatro com Berkeley.

A Warner se gabava de suas produções com temas “tirados das páginas dos jornais.” Seguindo essa vertente, Rua 42 se destaca por ter um enredo forte e cru, ao contrário de outros musicais, cujas histórias leves e descartáveis na maioria das vezes servem apenas como pretexto para encaixar as cenas de canto e dança. É um dos poucos filmes do gênero que continuariam bons mesmo sem os números musicais.

Ex-dançarino, Bradford Ropes conhecia as internas da Broadway e expôs a face mais perversa do show business. A trama gira em torno de Julian Marsh, que precisa fazer de seu último musical, Pretty Lady, um sucesso. Para tanto, ele conta com a estrela Dorothy Brock (Bebe Daniels), cuja participação está sendo financiada pelo sugar daddy Abner Dillon (Guy Kibbee). Porém, Dorothy tem um namorado de verdade, Pat Denning (George Brent), um dançarino desempregado a quem ela sustenta. Ao saber disso, Julian convoca um gângster para dar uma lição em Pat e tirá-lo do caminho. Enquanto isso, a ingênua Peggy Sawyer ganha sua primeira oportunidade na Broadway e é cortejada por Pat, pelo corista Terry (Edward J. Nugent) e pelo cantor Billy Lawler (Dick Powell). No fim, um acidente dá um novo rumo ao destino de Peggy. Tudo isso é regado a tiradas sarcásticas, comentários picantes e algumas doses de álcool.

Mesmo assim, o filme amenizou vários pontos da trama de Ropes. No livro, Billy é amante de Marsh (que não está doente nem falido) – na versão cinematográfica, isso é descartado, mas alguns veem uma insinuação de homossexualidade quando Julian convida o diretor de palco Andy Lee (George E. Stone) para ir à sua casa, dizendo-se solitário. Andy, no romance, é diretor musical e uma figura arrogante, que tem várias amantes e uma relação turbulenta com a esposa, Amy (ausente no filme), que por sua vez tem um caso com Pat. Este, assim como no filme, é sustentado por Dorothy, mas não tem o menor escrúpulo quanto a isso e, além de Amy, também se envolve com Peggy, que não tem nenhum relacionamento com Billy e é bem menos inocente do que no filme. O livro também tem uma série de personagens que foram cortados e as referências a bebidas e drogas são bem mais frequentes.

Após décadas fora de catálogo, o livro voltou a ser publicado em 2021.

Para promover o filme, a Warner colocou vários de seus astros em um trem batizado de “42nd Street Special”, que deixou Hollywood em 20 de fevereiro de 1933 e cruzou o país até chegar a Washington em 4 de março, dia da posse do presidente Franklin D. Roosevelt. Expressando a fé em tempos melhores, o estúdio criou para o filme o slogan “A New Deal in entertainment!”

Rua 42 estreou no Strand Theatre de Nova York no dia 9 de março e arrecadou 2,3 milhões de dólares. Foi indicado aos Oscars de Melhor Filme e Melhor Som (Nathan Levinson). Em 1980, muito apropriadamente, foi adaptado para um musical da Broadway, que ganhou os Tony Awards de Melhor Musical e Melhor Coreografia.

Ficha técnica:
Diretor: Lloyd Bacon
Elenco: Warner Baxter, Bebe Daniels, George Brent, Una Merkel, Ruby Keeler, Ginger Rogers, Guy Kibbee, Dick Powell, Ned Sparks, George E. Stone, Allen Jenkins, Edward J. Nugent, Robert McWade, Louise Beavers, Charles Lane, Toby Wing, Tom Kennedy e Jack La Rue
Roteiro: Rian James e James Seymour (baseado no romance de Bradford Ropes)
Fotografia: Sol Polito
Música: Harry Warren e Al Dubin
Coreografia e direção de palco: Busby Berkeley
Som: Nathan Levinson
Produtor: Darryl F. Zanuck
Estúdio: Warner Bros.
País: EUA
www.imdb.com/title/tt0024034

2 comentários

  1. Muito bom o texto e o filme .Embora eu já o tenha visto algumas vezes ,viajei agora lendo o blog.Realmente a trama é interessante e os números musicais prendem o expectador.
    O único *senão é Ginger que ,em início de carreira ,não ter ainda o glamour que faria dela a parceira incrível (mais tarde )com Fred Astaire .Anos 30 (incriveis)

    Curtido por 1 pessoa

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