Monstros

Freaks

1932

Sinopse: Em um circo de horrores, a trapezista e seu amante fisiculturista tentam dar o golpe do baú em um dos anões, que ganhou uma herança milionária.

Monstros costuma, até hoje, ser rotulado como um filme de terror. Certamente essa era intenção da MGM e do diretor Tod Browning, e foi assim que o público de 1932, não acostumado a ver pessoas com deficiência integradas à sociedade, o encarou.

A pedido do diretor, a Metro comprou os direitos do conto Spurs, de Tod Robbins, publicado em 1923. Em 1931, após o sucesso de Drácula (Dracula), também dirigido por Browning, e Frankenstein, lançados pela Universal, Irving Thalberg pediu um filme que os superasse em horror e deu carta branca ao cineasta. Todavia, ninguém estava preparado para o que viria.

Browning, que trabalhara num circo itinerante quando jovem, selecionou artistas circenses com deficiências reais para o elenco. Myrna Loy e Victor McLaglen recusaram os papéis de Cleópatra e Hércules, que ficaram com Olga Baclanova e Henry Victor, respectivamente. Jean Harlow chegou a ser considerada para interpretar Vênus, mas também acabou fora, e o papel foi para Leila Hyams. No fim das contas, Thalberg decidiu não escalar nenhum grande astro.

No estúdio, os deficientes já foram alvo de controvérsia. A própria Baclanova relatou que mal conseguiu olhá-los quando foram apresentados, mas acabou gostando deles após o início das filmagens. Diversos atores reclamaram de ter de vê-los durante o almoço, e os freaks (com exceção dos anões e das gêmeas siamesas Daisy e Violet Hilton) tiveram de comer em uma tenda instalada só para eles.

Harry Earles, Henry Victor, Olga Baclanova e Daisy Earles. Nascidos na Alemanha, os anões Harry e Daisy são noivos no filme, mas eram irmãos na vida real.

Em janeiro de 1932, a MGM promoveu exibições de teste do filme, e as reações foram ainda mais fortes. Segundo relatos da época, houve quem ficasse enjoado ou desmaiasse. Alguns espectadores literalmente saíram correndo do cinema. Uma mulher chegou a ameaçar abrir um processo contra a marca do leão, alegando que o choque fez com que ela sofresse um aborto espontâneo.

Como resultado, o estúdio fez diversos cortes no filme, reduzindo-o de aproximadamente 90 minutos para 64. Entre as cenas descartadas está boa parte da sequência final, em que Cleópatra é atacada e Hércules é castrado (!) pelos freaks. Hoje, existem versões diferentes do filme em circulação, mas as cenas cortadas são consideradas perdidas.

A estreia ocorreu em Los Angeles no dia 12 de fevereiro, porém, mesmo com as edições, o filme teve um prejuízo de mais de 160 mil dólares e foi banido em várias cidades americanas, além do Reino Unido. O curioso é que, apesar do fracasso nas grandes metrópoles, o retorno foi melhor em cidades como Boston, Cincinnati e outras menores.

O fiasco levou a MGM a suspender a distribuição do filme e vender os direitos por 25 anos para Dwain Esper, conhecido por suas produções apelativas. Esper exibiu o filme em circuito itinerante sob títulos como Forbidden Love (“Amor proibido”) e Nature’s Mistakes (“Erros da Natureza”).

Com essa repercussão, Monstros foi um golpe fatal na carreira de Browning, que depois dele só dirigiu mais quatro filmes (dois sem receber crédito) e se aposentou em 1939.

Posteriormente, alguns dos atores manifestaram arrependimento de terem participado do filme, em especial a mulher barbada Olga Roderick – que, no entanto, de acordo com algumas fontes, exibiu um comportamento de prima donna no set. Uma das exceções foi o “meio-homem” Johnny Eck, que inclusive fez amizade com Browning.

Wallace Ford, Johnny Eck e Leila Hyams. Eck nasceu com agenesia sacral e, além de Monstros, apareceu em filmes do Tarzan com Johnny Weissmuller e também foi músico, fotógrafo e ilusionista.

A partir dos anos 1960, o filme começou a ser resgatado, ganhando status de cult. Foi exibido no Festival de Cinema de Veneza em 1962 (ano em que Browning morreu) e mostrado pela primeira vez no Reino Unido em 1963, após mais de três décadas de proibição.

Graças a isso, hoje, 90 anos após o lançamento original, podemos vê-lo sob uma nova ótica. Longe de merecer a pecha de terror – a única parte realmente macabra é a sequência final –, Monstros (que ganhou esse título no Brasil ao sair em DVD, já que não chegou aos cinemas nacionais em 1932) é um drama sobre as diferenças e o caráter do ser humano, seguindo a máxima de que “quem vê cara não vê coração”.

No início, os artistas com deficiência são apresentados de forma um pouco sensacionalista, que ressalta sua excentricidade. Também há uma certa dose de condescendência e segregacionismo, quando eles são comparados a crianças, tachados de “criaturas que não pediram para vir ao mundo” e retratados como um bando à parte que tem sua própria lei: “se você ofende a um, ofende a todos” (alguns críticos interpretam a história como uma metáfora para o conflito de classes, tema recorrente no cinema americano durante a Grande Depressão).

O ápice ocorre em uma das cenas mais famosas, a do banquete do casamento de Cleópatra e Hans (Harry Earles). Os freaks entoam uma alegre cantoria de boas-vindas: “Gooble gobble!/We accept her!/One of us!” (“Nós a aceitamos! Uma de nós!”). Browning encena o cântico como uma espécie de ritual sinistro de iniciação e mostra a noiva aterrorizada, repelindo violentamente a celebração, como se antevisse seu destino.


Contudo, o enredo deixa claro que são o preconceito e a desonestidade de Cleópatra que fazem com que ela interprete a recepção como uma ameaça e a conduzem ao trágico desfecho. Na maior parte do filme o diretor mostra os deficientes de modo natural e humano, como pessoas normais que trabalham, executam atividades comuns do dia a dia, têm relacionamentos amorosos e interagem normalmente com as outras pessoas. A sequência final, apesar de tétrica, demonstra o sentido de união e a força deles, que não levam desaforo pra casa.

Subvertendo as expectativas, os “monstros” são os heróis, e os “belos” são os vilões. Fica a questão: quem são os verdadeiros freaks?

Ficha técnica:
Diretor: Tod Browning
Elenco: Wallace Ford, Leila Hyams, Olga Baclanova, Henry Victor, Roscoe Ates, Harry Earles e Daisy Earles, Rose Dione, Daisy e Violet Hilton, Schlitze, Josephine Joseph, Johnny Eck, Frances O’Connor, Peter Robertson, Olga Roderick, Koo Koo, Prince Randian, Martha Morris, Elvira Snow, Jenny Lee Snow, Elizabeth Green, Angelo Rossitto, Edward Brophy, Matt McHugh e Murray Kinnell
Roteiro: Willis Goldbeck e Leon Gordon (baseado no conto Spurs, de Tod Robbins)
Fotografia: Merritt B. Gerstad
Produtores: Tod Browning e Irving Thalberg
Estúdio: MGM
País: EUA
www.imdb.com/title/tt0022913

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