
“Cagney talvez tenha sido o maior ator que já apareceu diante de uma câmera.”
Orson Welles
James Francis Cagney Jr. nasceu em 17 de julho de 1899 no Lower East Side, região de imigrantes e da classe trabalhadora de Manhattan. Foi o segundo dos sete filhos de um casal de ascendência irlandesa e norueguesa. O pai faleceu em 1918, durante a epidemia de gripe espanhola.
Quando jovem, teve diversos problemas de saúde, o que mais tarde ele atribuiu à pobreza. Teve também uma série de empregos, desde contínuo até projetista. Chegou a lutar boxe amador e quis se tornar profissional, mas a mãe não permitiu.

James estreou nos palcos em 1919 com o musical Every Sailor, em que aparecia vestido de mulher. Embora soubesse apenas um passo de dança, se candidatou a uma vaga no coro e foi aceito. Sua peça seguinte foi Pitter Patter, na qual conheceu Frances Willard “Billie” Vernon. Os dois se casaram em 1922.
Durante uma década de carreira no vaudeville e na Broadway, além de atuar e dançar, Cagney coreografou peças e teve a sua própria escola de dança. Em 1929, trabalhou em Maggie the Magnificent, do ganhador do Pulitzer George Kelly, ao lado da atriz Joan Blondell. Embora a peça não tenha feito sucesso, os dois atores foram elogiados e chamaram a atenção do diretor William Keighley, que os escalou para a sua produção Penny Arcade. Novamente, os críticos não gostaram do espetáculo, mas sim de Cagney e Blondell. O astro Al Jolson comprou os direitos por 20 mil dólares e os revendeu à Warner Bros., com a condição de que a dupla fosse contratada para a versão cinematográfica.
O filme recebeu o título Sinner’s Holiday (1930) e foi o primeiro dos sete que Jimmy e Joan fizeram juntos. Grandes amigos, ele a apelidou de “Grandma” e certa vez disse que ela foi a única mulher que ele amou além da esposa. O desempenho de Cagney agradou à Warner, que lhe ofereceu um contrato de sete anos e o colocou em Caminhos do Inferno (The Doorway to Hell, 1930), com Lew Ayres.
Em janeiro de 1931 o estúdio lançou Alma no lodo (Little Caesar), com Edward G. Robinson. Para capitalizar o sucesso, logo entraram em produção As mulheres enganam sempre (Smart Money, 1931), com Robinson no papel principal e Cagney como coadjuvante, e Inimigo público (The Public Enemy, 1931), com Jimmy como protagonista.

Originalmente, ele faria o papel secundário em Inimigo público, mas após os primeiros ensaios o diretor William A. Wellman decidiu trocá-lo de lugar com Edward Woods. A performance altamente energética de Cagney como o impiedoso gângster Tom Powers eletrizou o público. O filme também é lembrado por uma polêmica cena em que ele esfrega uma toranja na cara de Mae Clarke.
Quando As mulheres enganam sempre foi lançado, meses depois, Cagney havia se tornado um astro do mesmo calibre de Robinson. Embora fossem os dois maiores “gângsteres” da Warner, esse foi o único filme que eles fizeram juntos.
Seu primeiro trabalho em 1932 foi Peso de ódio (Taxi!). O filme é notável por uma cena em que Cagney fala iídiche (ele aprendeu o idioma na convivência com judeus em Nova York e chegou a dar aulas, além de usá-lo nas inúmeras discussões com o chefe Jack Warner) e por ter gerado a frase “You dirty rat!”, muito repetida por seus imitadores, porém apócrifa (no filme, o que Jimmy realmente diz é “Come out and get it, you dirty, yellow-bellied rat, or I’ll give it to you through the door!”).
Cagney ganhou fama com sua enorme expressividade, seu rosto marcante, atuações vigorosas, movimentos ágeis e fala acelerada. Seus primeiros filmes, em especial o sucesso de Inimigo público, o estereotiparam em papéis de homens durões, na maioria das vezes criminosos, porém ao mesmo tempo carismáticos e nem sempre totalmente maus. Em O prefeito do inferno (The Mayor of Hell, 1933), por exemplo, ele interpreta um gângster que assume um cargo num reformatório juvenil como um favor político, mas se sensibiliza com o tratamento cruel dado aos internos e implementa mudanças no local. Em O durão (Picture Snatcher, 1933), ele vive um ex-presidiário que desiste do crime e se torna fotojornalista. Já em O mulherengo (Lady Killer, 1933), Cagney é um ex-bandido que vira astro de cinema (e volta a ser muito “delicado” com Mae Clarke, arrastando-a pelos cabelos em uma cena!).

Em Belezas em revista (Footlight Parade, 1933), coreografado por Busby Berkeley, Cagney teve uma das melhores oportunidades de mostrar sua habilidade como dançarino, sapateando com Ruby Keeler no número musical “Shanghai Lil”. Fãs chegaram a criar uma petição para que ele dançasse mais nos filmes. Também foi sua sexta aparição com Blondell.
Além de Blondell, outros dois grandes amigos de Cagney foram Pat O’Brien e Frank McHugh. Juntos, eles e outros colegas como Spencer Tracy e Ralph Bellamy formavam um grupo alcunhado de Máfia Irlandesa. Ao todo, Jimmy fez nove filmes com O’Brien e onze com McHugh (mais do que qualquer outro ator).
A chegada do Código Hays, em 1934, mudou a direção dos filmes de gângsteres, forçando-os a punir os criminosos e dar mais destaque aos homens da lei. Um exemplo clássico dessa mudança na carreira de Jimmy foi G-Men contra o império do crime (‘G’ Men, 1935), em que ele interpreta um agente do FBI.
Cagney também foi um dos primeiros atores a enfrentar o poderio dos estúdios e entrou em litígio com a Warner diversas vezes. Nos anos de 1934 e 1935, ele fez quatro filmes em cada e, em 1936, viu O’Brien aparecer no topo dos créditos de Heróis do ar (Ceiling Zero). Ambas as situações feriam seu acordo com os patrões, e ele os acionou na Justiça por quebra de contrato.
Enquanto aguardava a resolução do caso, ele foi abordado pelo estúdio independente Grand National, que lhe fez uma proposta de 100 mil dólares por filme e 10% dos lucros. Cagney atuou em dois filmes da companhia: Pesos e Medidas (Great Guy, 1936) e Domando Hollywood (Something to Sing About, 1937).

Numa decisão sem precedentes, a Justiça deu ganho de causa a Jimmy, que voltou à Warner com um contrato de cinco anos e 150 mil dólares por filme, com no máximo dois por ano, além de garantir livre escolha sobre seus trabalhos e a posição de produtor associado para o seu irmão e agente, William. Os frequentes embates com o estúdio renderam a Cagney o apelido de “The Professional Againster” (“O Do Contra Profissional”).
Seus dois filmes de 1938, após o retorno, foram Comprando barulho (Boy Meets Girl) e Anjos de cara suja (Angels with Dirty Faces), ambos com O’Brien. O segundo é considerado um dos melhores da carreira de Jimmy e deu a ele sua primeira indicação ao Oscar de Melhor Ator. A cena final, em que seu personagem, Rocky Sullivan, se desespera no corredor da morte, se tornou antológica e é até hoje tema de discussão.
No ano seguinte, A morte me persegue (Each Dawn I Die) e Heróis esquecidos (The Roaring Twenties), também grandes sucessos de público e clássicos do gênero, foram seus últimos filmes de gângsteres por dez anos, até Fúria sanguinária (White Heat, 1949). A essa altura, ele era um dos atores mais bem pagos de Hollywood.
No início dos anos 1940, Jimmy continuou no topo. Após tantos anos marcados pelos papéis de durão, o sonhado Oscar veio com o musical ultrapatriótico A canção da vitória (Yankee Doodle Dandy, 1942), em que ele interpreta o legendário showman George M. Cohan. O próprio Cohan, que faleceu meses após o lançamento, elogiou seu desempenho. De acordo com algumas fontes, o filme começou a ser rodado no dia seguinte ao ataque à base naval de Pearl Harbor, em dezembro de 1941, e uma première paga ajudou na venda de bônus de guerra. Jeanne Cagney, irmã de James, também atua no filme.
Falando em patriotismo, Cagney também se destacou pelo posicionamento político. Durante os anos 1930, ele trabalhou nas campanhas eleitorais do presidente Franklin D. Roosevelt. Em 1936, foi um dos patrocinadores da Liga Antinazista de Hollywood. Também doou dinheiro para a compra de uma ambulância para o Exército Republicano durante a Guerra Civil Espanhola. Já na II Guerra Mundial, angariou fundos para bônus de guerra, se apresentou para as tropas americanas na Europa e emprestou sua fazenda na ilha de Martha’s Vineyard para o exército. De 1942 a 1944, foi presidente do Screen Actors Guild, do qual era membro desde a fundação, em 1933.

Essas atitudes, aliadas às brigas com o estúdio, deram ao ator uma reputação de radical. Ele chegou a ser acusado de simpatizar com o comunismo duas vezes. No entanto, com a idade Cagney foi adotando uma postura mais conservadora. Após se decepcionar com o presidente democrata Harry S. Truman, ele passou para o lado republicano, mais tarde apoiando as campanhas do seu amigo Ronald Reagan ao governo da Califórnia e à presidência.
Até onde se sabe, Jimmy foi um marido notavelmente fiel em seu casamento de 64 anos com Billie, uma raridade no show business. Mas nem tudo eram flores na vida do casal. Primeiro, porque ela nunca se deu bem com a família Cagney. Além disso, quando descobriram que James era estéril, eles adotaram duas crianças, James Jr. e Cathleen (Casey). Porém, Billie mandou construir uma casa extra no terreno em que moravam, onde as crianças passaram a viver com uma governanta, raramente frequentando a casa dos pais adotivos. Depois de adultos, Jim Jr. e Casey se afastaram do casal. Ele morreu em 1984, dois anos antes do pai, que não deixou nenhuma herança para os filhos e os netos.
Em 1942, James e seu irmão William criaram a Cagney Productions, cujos filmes eram distribuídos pela United Artists. O primeiro lançamento foi Sempre um cavalheiro (Johnny Come Lately, 1943), que teve um sucesso moderado e levou uma indicação ao Oscar de Melhor Trilha Sonora (Drama). Depois veio Sangue sobre o sol (Blood on the Sun, 1945), que ganhou a estatueta de Melhor Direção de Arte (Preto e Branco), mas teve desempenho inferior nas bilheterias.
Em julho de 1945, Cagney viu o herói de guerra Audie Murphy na capa da revista Life, que o mostrava como o soldado mais condecorado do exército americano. O ator achou que o rapaz tinha potencial para fazer carreira no cinema e o convidou para ir a Hollywood. Murphy chegou com sintomas do que hoje se conhece como transtorno de estresse pós-traumático, e Jimmy o hospedou em sua casa durante três semanas. Então Audie foi contratado pela Cagney Productions e passou a receber aulas de atuação, voz e dança. No entanto, um desentendimento com James e William levou ao fim do acordo sem que ele tivesse atuado em um filme.

Em 1947, Cagney apareceu em Rua Madeleine 13 (13 Rue Madeleine), da 20th Century Fox, por 300 mil dólares. O dinheiro o ajudou a financiar seu projeto seguinte, Um momento em cada vida (The Time of Your Life, 1948), que, no entanto, foi um desastre comercial. O fracasso deixou a produtora em sérios problemas financeiros, obrigando Jimmy a retornar à Warner para estrelar Fúria sanguinária.
Voltando a interpretar um gângster, Cagney teve uma das performances mais emblemáticas de sua carreira na pele do psicótico Cody Jarrett. A produção faturou mais de 3 milhões dólares nas bilheterias mundiais e também foi elogiada pela crítica. A última frase de Cody no filme – “Made it, Ma! Top of the world!” – foi eleita a 18ª melhor da história de Hollywood pelo American Film Institute.
Jimmy recebeu sua terceira e última indicação ao Oscar por Ama-me ou esquece-me (Love Me or Leave Me, 1955), seu terceiro filme com Doris Day. Ambos tinham grande admiração um pelo outro, e a relação chegou a ser comparada à de Jimmy com Joan Blondell no início da carreira. Pela primeira vez desde As mulheres enganam sempre, ele aceitou aparecer em segundo lugar nos créditos.
Em seu filme seguinte, Um coringa e sete ases (The Seven Little Foys, 1955), Cagney voltou a interpretar George M. Cohan e aparecer dançando, numa memorável cena ao lado de Bob Hope.
Em 1957, seguindo a sugestão de amigos, ele sentou na cadeira de diretor no filme de baixo orçamento Atalho para o Inferno (Short Cut to Hell). Por ser ator e não diretor, Jimmy recusou pagamento. No entanto, a experiência não lhe agradou e ele não voltou a se arriscar atrás das câmeras.

Cagney interpretou um executivo da Coca-Cola na comédia Cupido não tem bandeira (One, Two, Three, 1961), de Billy Wilder. A produção foi uma das mais complicadas de sua carreira. Ele teve problemas com o ator Horst Buchholz e pela primeira vez cogitou abandonar uma filmagem.
Ao término do trabalho, após 31 anos de cinema, Jimmy decidiu que era hora de se aposentar. Nas duas décadas seguintes, seus únicos trabalhos foram como narrador, e ele chegou a recusar papéis em Minha bela dama (My Fair Lady, 1964) e O poderoso chefão II (The Godfather: Part II, 1974). Também em 1974, recebeu o Life Achievement Award do American Film Institute.
Quando estavam em Nova York, James e Billie costumavam frequentar o restaurante Silver Horn, onde fizeram amizade com a proprietária, Marge Zimmermann. No início dos anos 1970, o ator foi diagnosticado com diabetes e em 1977 sofreu um derrame. Zimmermann se tornou sua cuidadora e, em 1982, ela e o marido foram executores do seu testamento.
Deprimido com as limitações físicas que o impediam de praticar alguns dos seus passatempos favoritos, como dançar e cavalgar, Jimmy foi convencido por Billie e Zimmermann a aceitar um pequeno papel em Na época do ragtime (Ragtime, 1981). Apesar da saúde frágil, ele encarou as nove semanas de filmagem e ainda ajudou os colegas de elenco. Foi a última vez que contracenou com seu velho amigo Pat O’Brien.
O último trabalho de Cagney foi o filme televisivo O terrível Joe Moran (Terrible Joe Moran, 1984). A essa altura, ele havia sofrido outros derrames e usava cadeira de rodas. A dificuldade de locomoção foi incorporada ao personagem e sua voz foi dublada.
Aos 86 anos, James Cagney faleceu em decorrência de um ataque cardíaco em sua fazenda em Stanford, Nova York, no dia 30 de março de 1986, um domingo de Páscoa.
Certa vez, quando perguntaram a Cagney quem ele gostaria que o retratasse caso fizessem um filme sobre sua vida, ele indicou o jovem Michael J. Fox. Anos depois, em um documentário para a TV, Fox disse o que o diferenciava de outros atores da sua idade: “Eles querem ser James Dean. Eu quero ser James Cagney.”

















