Stagecoach
1939

Sinopse: Nove pessoas de reputações distintas seguem em uma diligência de Tonto, no Arizona, a Lordsburg, no Novo México. Durante a jornada, elas têm que conciliar suas diferenças e enfrentar um ataque de índios apaches.
Em 1939, o western já era bastante popular em Hollywood, embora não fosse muito prestigiado pelos grandes estúdios. Mas nesse ano surgiu o filme que redefiniu o gênero como o conhecemos hoje. Foi o primeiro faroeste sonoro do mestre John Ford e revelou o maior caubói do cinema: John Wayne.
No tempo das diligências é um épico em todos os aspectos. Um herói, uma mistura de drama, romance e ação, um forte elenco de coadjuvantes (tanto que foi chamado de “Grande Hotel sobre rodas”), uma trilha sonora marcante (que levou um dos dois Oscars do filme, para Richard Hageman, W. Franke Harling, John Leipold e Leo Shuken), uma bela fotografia e paisagens deslumbrantes (foi a primeira vez que Ford usou o Monument Valley, sua locação mais emblemática).

É também um filme que transcende o western, um estudo sobre diferenças pessoais, tolerância e preconceito social. Entre os passageiros da diligência estão Ringo Kid (Wayne), um fugitivo da cadeia que busca se vingar dos homens que mataram seu pai e seu irmão (um motivo clássico dos faroestes); Dallas (Claire Trevor), uma prostituta que foi expulsa da cidade; e “Doc” Josiah Boone (Thomas Mitchell), um médico alcoólatra e bonachão. Os outros se pretendem “respeitáveis”: Hatfield (o onipresente John Carradine), um jogador inveterado com pose aristocrática; Lucy Mallory (Louise Platt), uma mulher grávida e de nariz empinado que está indo ao encontro do marido oficial da cavalaria; Samuel Peacock (o simpático Donald Meek), um comerciante de bebidas; e Henry Gatewood (Berton Churchill), um banqueiro que, sem que os outros saibam, traz consigo um dinheiro roubado do banco. Completam os nove o cocheiro Buck (Andy Devine) e o xerife Curley (George Bancroft).
Na primeira parada, Ringo chama Dallas para se sentar à mesa do almoço junto aos demais, para constrangimento geral. No entanto, os “párias” se mostram os mais autênticos e estão destinados a se tornar os heróis da trama. Ao saber que o marido se feriu em combate contra os apaches, Lucy desmaia e entra em trabalho de parto. Quem se encarrega de trazer a criança ao mundo é o dr. Boone, que se enche de café para recuperar a sobriedade. Dallas assiste o médico e passa a cuidar do bebê e da mãe, mesmo sendo esnobada por ela. Já Ringo se torna uma espécie de guarda-costas da diligência, usando sua destreza para derrotar os apaches no final.
Thomas Mitchell rouba a cena no papel de Doc Boone. Ele bebe durante quase todo o filme, mas passa do cômico ao sério com extrema versatilidade, especialmente na sequência do parto. A atuação deu a Mitchell o Oscar de Melhor Ator Coadjuvante.

Apesar da crítica ao preconceito social, o filme não escapa do racismo inerente ao gênero western no tratamento dos indígenas. Os apaches são mostrados como meros selvagens e uma ameaça a ser liquidada pelos valentes homens brancos. Mas, se cabe uma defesa, vale mencionar que ao menos a produção contou com indígenas verdadeiros no elenco (entre eles Chief John Big Tree, membro da Nação Seneca que apareceu em mais de 60 filmes) e gerou emprego para centenas deles, contribuindo para a economia da região.
Ford constrói o clima do filme com sutileza. As cenas de ação ficam guardadas para o fim. A atração entre Ringo e Dallas evolui à base de olhares e pequenos gestos, sem nenhuma cena de amor mais explícita. O tiro fatal em Hatfield ocorre fora do plano, enquanto o espectador só vê sua arma apontada para Lucy, a quem ele tenta matar para poupá-la de ser vítima dos apaches. E o duelo final entre Ringo e os irmãos Plummer também é apenas ouvido.

O filme é baseado no conto “The Stage to Lordsburg”, de Ernest Haycox, publicado na revista Collier’s em abril de 1937 (algumas fontes também citam a influência de Bola de Sebo, de Guy de Maupassant). Ford comprou os direitos da história e tentou, sem êxito, vender o peixe a vários estúdios. Na época, a maioria dos faroestes produzidos eram filmes B, e ninguém queria arriscar um alto orçamento em um filme do gênero.
David O. Selznick se interessou, mas ficou insatisfeito com o elenco e a indefinição do diretor quanto ao início das filmagens. Então Ford procurou outro produtor independente, Walter Wanger. Wanger também ficou reticente e queria Gary Cooper e Marlene Dietrich nos papéis principais, mas por fim concordou em fornecer US$ 250 mil, desde que Ford desse o primeiro lugar nos créditos a Claire Trevor, então mais conhecida que Wayne.
Falando nos créditos, chama atenção o fato de os nomes dos atores aparecerem enfileirados simultaneamente após o título, em letras de mesmo tamanho, sem distinção alguma exceto pela ordem.

Aos 32 anos, Wayne tinha cerca de 80 filmes no currículo. Ele havia iniciado a carreira no final dos anos 1920 como extra, inclusive em algumas produções de Ford. Teve seu primeiro papel de destaque em A grande jornada (The Big Trail, 1930), que foi um fracasso de bilheteria. Pelo restante da década atuou em westerns B e fez papéis menores em filmes de outros gêneros, como Serpente de luxo (Baby Face, 1933), até aparecer em No tempo das diligências.
O diretor não economizou em closes do seu novo astro ao longo do filme e deu a ele uma entrada de impacto. Ouve-se um tiro e a diligência interrompe seu curso. A cena corta para Wayne, que gira sua espingarda, e a câmera dá um zoom em seu rosto suado. Buck se encarrega da apresentação: “Olha, é o Ringo!”
A aposta de Ford se provou mais do que certeira: No tempo das diligências foi um sucesso de público e crítica. Orson Welles o considerou uma aula de cinema e afirmou tê-lo visto mais de 40 vezes quando se preparava para fazer Cidadão Kane (Citizen Kane, 1941). Além dos Oscars de Melhor Ator Coadjuvante e Melhor Trilha Sonora, foi indicado a mais cinco estatuetas: Melhor Filme, Diretor, Direção de Arte (Alexander Toluboff), Fotografia em Preto e Branco (Bert Glennon) e Montagem (Otho Lovering e Dorothy Spencer).
Em 1966, ganhou um remake em cores (no Brasil chamado A última diligência), com Ann-Margret e Alex Cord nos papéis de Dallas e Ringo, além de Bing Crosby como Doc Boone e Van Heflin como Curley.
Ficha técnica: Diretor: John Ford Elenco: Claire Trevor, John Wayne, Andy Devine, John Carradine, Thomas Mitchell, Louise Platt, George Bancroft, Donald Meek, Berton Churchill, Tim Holt, Tom Tyler, Chief John Big Tree, Yakima Canutt e Chris-Pin Martin Roteiro: Dudley Nichols (baseado no conto The Stage to Lordsburg, de Ernest Haycox) Fotografia: Bert Glennon Música: Richard Hageman, W. Franke Harling, John Leipold e Leo Shuken Produtor: Walter Wanger Estúdios: Walter Wanger Productions/United Artists País: EUA www.imdb.com/title/tt0031971/










