O Picolino

Top Hat

1935

Sinopse: O dançarino Jerry Travers está em Londres para estrelar um musical do produtor Horace Hardwick. Lá ele conhece e se apaixona pela modelo Dale Tremont, que por acaso é amiga de Madge, a esposa de Horace. Porém, um mal-entendido faz com que Dale pense que Jerry é o marido, obrigando-o a ir até Veneza para reconquistá-la.

O Picolino é o quarto dos dez filmes da dupla Fred Astaire & Ginger Rogers. Pode-se discutir se é o melhor (particularmente, não é o meu preferido), mas sem dúvida é o maior clássico e o que melhor resume a série.

O enredo segue a fórmula de quase todos os filmes da dupla, com Astaire e Rogers brincando de “gato e rato” até o final feliz: dançando, sem querer Jerry Travers acorda Dale Tremont, que está hospedada no quarto abaixo. Apaixonado, no dia seguinte ele a persegue e a conquista novamente dançando. Então, numa daquelas coincidências que só acontecem em filmes, Dale fica sabendo que o marido de sua amiga Madge, que ela pretende encontrar em Veneza, está hospedado no hotel. Naquele momento, o dançarino e o produtor estão passando pelo mezanino, mas um lustre encobre a visão de Dale, fazendo com que ela pense que Travers é o homem em questão. Inconformado, Jerry vai atrás dela na cidade dos canais, onde reconquista a amada – dançando – e a confusão é desfeita.

Os principais coadjuvantes que marcaram a série também estão lá. Edward Everett Horton interpreta o abobalhado produtor Horace Hardwick. Eric Blore é Bates, o temperamental valete de Horace. Helen Broderick vive Madge, a sarcástica e indiferente sra. Hardwick. Por fim, Erik Rhodes dá vida a Alberto Beddini, o pitoresco estilista italiano, essencialmente repetindo seu papel em A alegre divorciada (The Gay Divorcee, 1934).

O elenco: Horton, Broderick, Blore, Rogers, Astaire e Rhodes

A propósito, O Picolino tem muitas semelhanças com A alegre divorciada, o segundo filme de Astaire & Rogers. A começar pelo elenco: todos os mencionados acima aparecem no filme anterior, exceto Helen Broderick, que substituiu Alice Brady. Em ambos Erik Rhodes interpreta um italiano espalhafatoso e meio tresloucado, dado a cometer malapropismos, de quem Fred e Ginger têm que se livrar para poderem ficar juntos. Além disso, as duas películas têm o enredo baseado em uma troca de identidades que interrompe temporariamente o romance. Semelhanças também podem ser detectadas em alguns números musicais.

Ah, os números musicais! Eles são a razão de ser do filme, é claro. É impossível cravar que as canções de Irving Berlin em O Picolino são as melhores da série, já que toda ela está recheada de clássicos dos maiores compositores americanos da época, mas sem dúvida renderam alguns dos números mais memoráveis. Não à toa, em The Fred Astaire & Ginger Rogers Book, considerado o principal livro sobre a dupla, Arlene Croce afirma que Jerry Travers é o melhor papel já escrito para um dançarino em um filme. É interessante notar como, ao contrário do que ocorre em muitos musicais, os números se entrelaçam com o enredo, fazendo a história avançar.

No Strings (I’m Fancy Free)

É o número de apresentação. Quando Horace diz que ele deveria pensar em se casar, Jerry responde dançando e cantando animadamente sobre sua preferência por ser livre e não ter amarras. Por ironia, seu sapateado desperta Dale, que está dormindo no quarto abaixo. Ela sobe irritada para tirar satisfação, deixando o dançarino ao mesmo tempo sem jeito e encantado. Quando ela vai embora, ele espalha areia de um vaso no chão do quarto e volta a dançar suavemente, para ajudá-la a dormir.


Isn’t This a Lovely Day (to Be Caught in the Rain)?

A dança da conquista. Jerry toma o lugar do cocheiro na carruagem de Dale e os dois vão parar em um parque. Começa a chover e eles se refugiam em um coreto. Quando a chuva aperta e começa a trovejar, ele começa a cantar. Inicialmente relutante, aos poucos ela cede e se põe a imitar os passos dele, e logo os dois estão dançando juntos. A música termina e os dois se sentam no chão, de pernas cruzadas, e trocam um aperto de mãos. A relação está estabelecida.

Fred e Ginger em “Isn’t This a Lovely Day”

Top Hat, White Tie and Tails

Um típico número do tipo “show dentro do show” – no enredo do filme, faz parte do espetáculo de Jerry em Londres, propulsor de toda a história. De fraque, cartola e bengala, acompanhado de uma fileira de homens vestidos da mesma forma, ele canta sobre um convite que recebeu para um evento formal, ao qual deve comparecer em traje de gala. No final, ele “executa” todos os dançarinos, usando a bengala como “fuzil”.

Fred originalmente teve a ideia para o fracassado musical Smiles, que ele estrelou na Broadway em 1930. Ao ser reeditado em O Picolino, se tornou um dos seus números solo mais reconhecidos e copiados, transformando Astaire em um ícone da elegância no cinema e fazendo da indumentária (que, na vida real, ele detestava) sua marca registrada.

Fred em “Top Hat, White Tie and Tails”

A elegância, aliás, é um subtema do filme, que já se expressa no próprio título original, Top Hat (“Cartola”). Logo na sequência inicial, Jerry aparece em um refinado clube de cavalheiros, que se incomodam com o mais brando farfalhar das folhas do seu jornal. Em seguida a ação passa para um luxuoso hotel em Londres, culminando em Veneza, representada por um set gigantesco e um bocado artificial (“tão italiano quanto Pat O’Brien”, comenta Ginger em sua autobiografia), todo branco, que lembra mais um cassino de Las Vegas. Criado por Carroll Clark sob supervisão de Van Nest Polglase, o cenário – o maior da história da RKO até então – foi construído em dois estúdios adjacentes, cortados por um “canal”, cuja água foi tingida de preto para ficar mais visível.

Mas voltemos aos números musicais, porque chegou a hora de…

Cheek to Cheek

Sem dúvida o momento mais famoso de Fred & Ginger, é o número da reconquista. Encorajada por Madge (e sem entender nada), Dale aceita dançar com Jerry. Assim como em “No Strings”, ele emenda o diálogo na letra da canção, declarando seu amor, a princípio de forma mais descontraída, até irromper em um clamor expressando seu desejo por tê-la nos braços. Assim como o canto, a melodia ondula, ora mais suave, ora mais intensa. Os dois passam de um salão lotado a uma pista vazia, onde iniciam dança e o número se conclui, com Dale, Jerry e o espectador sem fôlego.

O número remete a “Night and Day”, de A alegre divorciada, em que, ao som da arrebatadora canção de Cole Porter, Astaire surpreende Rogers a sós e a conquista pela dança numa varanda à beira-mar.


O vestido que Ginger usou em “Cheek to Cheek” causou um famoso incidente nos bastidores. Ela pedira ao figurinista Bernard Newman um vestido azul de cetim coberto de penas de avestruz. Fred sugeriu que eles ensaiassem usando o figurino, mas, devido à complexidade, ele só ficou pronto no dia da filmagem, para choque de todos no set. Imediatamente o diretor Mark Sandrich foi ao camarim da atriz tentar convencê-la a reaproveitar um vestido de A alegre divorciada, mas ela bateu o pé e chamou a mãe, Lela Rogers, que foi ao estúdio e ameaçou levar a filha para casa.

Diante do impasse, a equipe aceitou fazer um teste. Mas, ao iniciarem a dança, penas voaram para todos os lados, fazendo Astaire perder a paciência – “parecia uma galinha sendo atacada por um coiote”, diz ele em sua autobiografia. A filmagem precisou ser interrompida algumas vezes e o vestido teve que passar por alguns reparos até que as penas deixassem de se soltar – mesmo assim, algumas ainda podem ser vistas no filme.

Resolvido o problema, Fred apelidou Ginger de Feathers (“Penas”), presenteou-a com uma pequena pena de ouro e cantou para ela uma paródia da canção:

Feathers – I hate feathers

And I hate them so that I can hardly speak

And I never find the happiness I seek

With those chicken feathers dancing

Cheek to cheek

(Traduzindo: “Penas – eu odeio penas/Odeio tanto que mal posso falar/E nunca encontro a felicidade que procuro/Com essas penas de galinha dançando/De rosto colado.”)

The Piccolino

O número que inspirou o título brasileiro do filme é o mais espetacular e celebra a reconciliação de Jerry e Dale. Com vários pares de dançarinos filmados de cima formando desenhos geométricos, se assemelha às coreografias que Busby Berkeley criava na Warner na mesma época. Pela forma e pelo contexto dentro do enredo, é análogo a “The Continental”, de A alegre divorciada. Fred não gostou da canção, por isso ela é cantada por Ginger.

Bastidores do número “The Piccolino”

Ainda em sua autobiografia, Ginger narra outro incidente engraçado ocorrido durante as filmagens. Para a última cena, Sandrich pediu à dupla que improvisasse uma breve dança para arrematar. Na hora de gravar, eles deram vários rodopios e a cartola de Fred caiu no chão. Ele reagiu furiosamente, chutando a cartola várias vezes contra a parede. O motivo: ele havia esquecido de colocar sua peruca, sem a qual detestava ser visto em público.

O Picolino foi indicado a quatro Oscars: Melhor Filme, Melhor Direção de Arte (Clark e Polglase), Melhor Canção Original (“Cheek to Cheek”) e Melhor Direção de Dança (Hermes Pan). Segundo Arlene Croce, arrecadou 3 milhões de dólares nas bilheterias, transformando-se no maior sucesso da RKO na década de 1930 e o segundo maior de Hollywood no ano, atrás somente de O grande motim (Mutiny on the Bounty, 1935).

Ficha técnica:
Diretor: Mark Sandrich
Elenco: Fred Astaire, Ginger Rogers, Edward Everett Horton, Erik Rhodes, Eric Blore e Helen Broderick
Roteiro: Allan Scott e Dwight Taylor
Fotografia: David Abel
Música: Irving Berlin
Direção musical: Max Steiner
Direção de dança: Hermes Pan
Produtor: Pandro S. Berman
Estúdio: RKO Radio Pictures
País: EUA
www.imdb.com/title/tt0027125

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