Frank Capra

“Talvez não existisse realmente uma América. Talvez fosse só Frank Capra.”

John Cassavetes

Genial ou cafona – ou ambos –, você escolhe. Mas Frank Capra foi talvez o maior diretor dos anos 1930 e sem dúvida um dos mais influentes da história de Hollywood, com um estilo único que ajudou a definir o cinema pelos anos vindouros.

Francesco Rosario Capra nasceu em Bisacquino, na Sicília, no dia 18 de maio de 1897. Caçula de sete filhos, em 1903 migrou com a família para os Estados Unidos, estabelecendo-se num gueto italiano em Los Angeles. Em 1920, Francesco se naturalizou americano e adotou o nome Frank Russell Capra.

Ao terminar o ensino secundário, em vez de procurar um emprego, como era desejo dos pais, Frank se matriculou na faculdade, graduando-se em engenharia química no Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech) em 1918. O departamento de artes do Caltech lhe apresentou a literatura, e, anos mais tarde, a formação de engenheiro o ajudou a sair na frente de outros diretores quando o som chegou ao cinema.

Pouco depois de se formar, durante a I Guerra Mundial, Frank se alistou no exército, do qual foi dispensado após contrair gripe espanhola. Embora fosse o único membro da família com nível superior, encontrava dificuldades para conseguir emprego, o que o levou a ter surtos de depressão.

Nos anos seguintes, vagou pelo oeste do país em trens de carga e se ocupou de pequenos trabalhos, inclusive como extra no filme O caminhoneiro (The Outcasts of Poker Flat, 1919), de John Ford. Em 1921 teve sua primeira experiência como diretor, com o curta documental La visita dell’incrociatore italiano Libia a San Francisco, Calif., 6-29 novembre 1921, sobre a visita de um navio italiano a São Francisco.

Barbara Stanwyck, Frank Capra e Adolphe Menjou durante as filmagens de A mulher proibida (Forbidden, 1932)

Em 1924 ele foi contratado por Hal Roach para escrever gags em alguns curtas da série Our Gang. Porém, quando Roach lhe negou uma chance como diretor, Capra se demitiu e foi trabalhar com o arquirrival Mack Sennett, como roteirista nos filmes de Harry Langdon, que se tornou um dos grandes comediantes do cinema mudo.

Em 1925, Langdon deixou Sennett e assinou com a First National, levando Capra com ele e promovendo-o a diretor. Depois de três longas-metragens, os dois tiveram um desentendimento e se separaram. A carreira de Langdon entrou em declínio e Capra dirigiu mais um filme para o estúdio, Filhos da fortuna (For the Love of Mike, 1927), estrelado por Claudette Colbert. O filme, hoje perdido, teve uma produção tumultuada e foi um fracasso de crítica e público.

Em outubro de 1927, Capra foi contratado como diretor pela Columbia Pictures, de Harry Cohn. Pertencente à “ala pobre” de Hollywood, a Columbia estava migrando para a produção de longas-metragens, visando a competir com os grandes estúdios durante a transição para os filmes falados. O primeiro filme sonoro do diretor foi Duas gerações (The Younger Generation, 1929).

No primeiro ano de estúdio, Capra dirigiu nove filmes e se tornou homem de confiança de Cohn, que aumentou seu salário de 1.000 dólares por filme para 25.000 por ano e passou a colocar seu nome acima do título nos créditos dos filmes (fato que inspirou o nome da autobiografia do diretor, The Name Above the Title, publicada em 1971).

Em 1930, Capra entrevistou a jovem atriz Barbara Stanwyck, que Cohn desejava escalar no filme A flor dos meus sonhos (Ladies of Leisure, 1930), mas a entrevista não fluiu bem e ele a descartou. No entanto, quando o marido de Barbara, o ator Frank Fay, pediu que ele visse o teste que ela fizera para Segredo da morte (The Noose, 1928), na Warner Bros., o diretor rapidamente mudou de ideia. Stanwyck se tornou uma de suas musas, e os dois fizeram cinco filmes juntos. Anos mais tarde, Capra admitiu ter ficado encantado com a atriz e disse que teria pedido a ela em casamento se ambos já não fossem comprometidos na época.

Paul Muni, Luise Rainer e Capra no Oscar de 1937

O segundo filme de Capra e Stanwyck foi A mulher miraculosa (The Miracle Woman, 1931), um conto moral sobre uma falsa evangelista que se arrepende ao se apaixonar por um veterano de guerra cego. A história é baseada numa peça de John Meehan e Robert Riskin.

Riskin também contribuiu com diálogos para o filme seguinte de Capra, Loura e sedutora (Platinum Blonde, 1931), um dos veículos responsáveis por alavancar a carreira de Jean Harlow. Seu primeiro roteiro completo para o diretor foi Loucura americana (American Madness, 1932), que deu início a uma das parcerias mais bem-sucedidas da década.

Em 1932, Capra falou a Cohn sobre seu desejo de concorrer a um Oscar, e o chefe respondeu que somente filmes “artísticos” eram indicados. O resultado foi O último chá do General Yen (The Bitter Tea of General Yen, 1932). Stanwyck vive uma missionária americana em Xangai que é raptada por um maquiavélico general local e desenvolve com ele uma relação ambígua de amor e ódio. Após estrear no Natal daquele ano, o filme se tornou o primeiro a ser exibido no Radio City Music Hall, em janeiro de 1933, mas não alcançou o êxito que Capra esperava. O tema causou polêmica, já que havia então um forte preconceito contra asiáticos nos Estados Unidos e os relacionamentos inter-raciais eram ilegais em diversos estados americanos. Hoje o filme é mais bem-visto pelos críticos, e o elemento mais controverso é o fato de o general chinês ser interpretado por um ator sueco (Nils Asther), com o artifício da yellowface.

Mas o sonho de Capra não demorou a se realizar. Seu trabalho seguinte foi Dama por um dia (Lady for a Day, 1933), sobre uma humilde vendedora de maçãs que tenta se passar por uma dama da sociedade para receber a visita da filha, que vive na Europa e está noiva de um aristocrata espanhol. Recebeu quatro indicações ao Oscar, incluindo Melhor Filme, Melhor Diretor e Melhor Roteiro Adaptado (para Riskin). Não ganhou nenhum, mas foi o primeiro filme de Capra e da Columbia a ser lembrado pela Academia.

O elenco de Dama por um dia

Dama por um dia é um dos primeiros filmes “caprescos” por excelência. Daí em diante, a obra do diretor se caracterizou por transmitir mensagens sociais que simbolizavam o sonho americano, com enredos otimistas que mostravam o cidadão comum como um herói que vence na vida munido de valores como honestidade, liberdade, justiça e democracia. Seu estilo distinto deu origem ao adjetivo Capraesque na língua inglesa. Por outro lado, o tom sentimental de seus filmes gerou o rótulo Capra-corn, um trocadilho com a palavra Capricorn (“Capricórnio”) juntando o sobrenome do diretor com corn (“piegas”, na gíria americana).

A consagração veio com Aconteceu naquela noite (It Happened One Night, 1934), que se tornou o primeiro filme a ganhar as cinco principais categorias do Oscar: Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Roteiro Adaptado (Riskin), Melhor Ator (Clark Gable) e Melhor Atriz (Claudette Colbert, que só aceitou voltar a trabalhar com Capra pelo dobro do salário). Também é considerado uma das primeiras comédias malucas da história do cinema. Embora seja uma comédia mais escapista, alguns temas comuns do diretor, como o conflito de classes, estão presentes.

Capra, Claudette Colbert e Clark Gable nos bastidores de Aconteceu naquela noite

De 1935 a 1939, Capra foi presidente da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, eleito por quatro mandatos consecutivos. Coincidência ou não, esse período correspondeu ao auge de sua carreira. De 1938 a 1941, também presidiu o Screen Directors Guild (depois renomeado Directors Guild of America), posto que voltou a ocupar de 1959 a 1961.

Capra ganhou seu segundo Oscar com O galante Mr. Deeds (Mr. Deeds Goes to Town, 1936), no qual Gary Cooper interpreta um homem simples que herda uma fortuna do tio. A produção também concorreu a outras quatro estatuetas, incluindo Melhor Filme e Melhor Roteiro Original.

Com Gary Cooper no set de O galante Mr. Deeds

Outra comédia romântica, Do mundo nada se leva (You Can’t Take It with You, 1938), deu ao diretor seu terceiro triunfo e conquistou também o prêmio de Melhor Filme, além de outras cinco indicações, incluindo uma para Riskin.

No ano seguinte Capra lançou um de seus trabalhos mais emblemáticos e controversos: A mulher faz o homem (Mr. Smith Goes to Washington, 1939), estrelando James Stewart no papel de um homem ingênuo que se torna senador e se depara com uma série de esquemas de corrupção na política. O filme gerou revolta em Washington, mas foi um sucesso de bilheteria, ganhando o Oscar de Melhor História Original (Lewis R. Foster) e sendo indicado em outras dez categorias, incluindo Melhor Filme e Melhor Diretor – só não ganhou mais porque teve que concorrer com …E o vento levou (Gone with the Wind, 1939).

Capra, James Stewart, Jean Arthur e Eugene Pallette nos bastidores de A mulher faz o homem

Em Adorável vagabundo (Meet John Doe, 1941), outro de seus filmes mais célebres, Capra voltou a trabalhar, pela última vez, com Gary Cooper e Barbara Stanwyck, na história de um indigente contratado por uma colunista de jornal para representar um homem desempregado que ameaça se suicidar em protesto contra os males da sociedade. Foi indicado a apenas um Oscar, o de Melhor História Original.

Adorável vagabundo também foi a última colaboração entre Capra e Riskin. Apesar do sucesso da parceria, a relação pessoal dos dois era turbulenta. Uma das razões era política: o primeiro era um ferrenho conservador (opositor do presidente Franklin D. Roosevelt e, conforme algumas fontes, admirador de Benito Mussolini e Francisco Franco), ao passo que o segundo era mais progressista. Riskin também sentia que Capra levava todo o crédito pelo trabalho, embora os protagonistas de seus filmes fossem resultado mais da visão dele que do diretor. Nos anos 1950, após o roteirista sofrer um derrame que o impediu de continuar trabalhando, Capra foi uma notável ausência entre as visitas. Quando Riskin faleceu, em 1955, ele também não foi ao enterro. Ironicamente, a última história original escrita por Riskin se tornou um filme dirigido por Capra: Órfãos da tempestade (Here Comes the Groom, 1951).

Robert Riskin e Frank Capra

Em dezembro de 1941, a base naval americana de Pearl Harbor, no Havaí, foi bombardeada pelos japoneses, colocando os Estados Unidos na II Guerra Mundial. Aos 44 anos, Capra não precisava se alistar, mas o patriotismo falou mais alto e ele se tornou major do Exército. Até o fim da guerra, ele dirigiu documentários com a finalidade de motivar as tropas, que posteriormente o governo americano decidiu distribuir nos cinemas. Entre eles estavam os sete filmes da série Why We Fight, cujo primeiro exemplar, Prelúdio de uma guerra (Prelude to War, 1942), ganhou o Oscar de Melhor Documentário. Hoje, a série é tida como uma obra-prima do gênero, e o diretor a considerou seu trabalho mais importante. Capra chegou à patente de coronel e sua atuação durante o conflito lhe rendeu diversas medalhas e honrarias.

Em 1945, Capra e o produtor Samuel J. Briskin criaram a Liberty Films, à qual meses depois se juntaram os diretores William Wyler e George Stevens. A companhia lançou apenas dois filmes, A felicidade não se compra (It’s a Wonderful Life, 1946) e Sua esposa e o mundo (State of the Union, 1948), e fechou as portas em 1951.

A felicidade não se compra traz novamente James Stewart como protagonista, no papel de um homem que é salvo de cometer suicídio por um anjo da guarda que lhe mostra como seria a vida das pessoas sem ele. Embora tenha sido indicado a cinco Oscars – incluindo Melhor Filme e Melhor Diretor –, o filme teve prejuízo nas bilheterias e foi mal recebido pela crítica. No entanto, as frequentes exibições na programação de fim de ano dos canais de TV fizeram dele um clássico natalino.

Os anos 1950 trouxeram mudanças culturais à sociedade, que afastaram Capra de Hollywood. Seus heróis do povo, tão em voga durante a Depressão, já não tinham o mesmo apelo diante da prosperidade americana no pós-guerra. Defensor da independência e da liberdade artística dos diretores, ele também se desiludiu com as transformações ocorridas na indústria cinematográfica. Cria da era dos estúdios, Capra justificou seu declínio em termos bastante conservadores e preconceituosos, culpando o crescimento do poder dos atores, os orçamentos cada vez maiores, os cronogramas apertados e até “os hedonistas, os homossexuais e os que odeiam a Deus”. Depois de Sua esposa e o mundo, ele só dirigiu mais quatro longas-metragens para o cinema.

Com Jack Warner no Oscar de 1938

Em 1952, Capra regressou ao Caltech, onde trabalhou produzindo filmes educativos com temas científicos. Em seguida, dirigiu quatro especiais de TV seguindo a mesma linha, que se tornaram populares nas escolas americanas.

Em 1959 ele voltou a Hollywood para fazer seu primeiro filme colorido, Os viúvos também sonham (A Hole in the Head). Dois anos depois, produziu e dirigiu Pocketful of Miracles (1961), um remake de Lady for a Day, que no Brasil também recebeu o título de Dama por um dia. Com mau desempenho nas bilheterias, foi seu último filme para a tela grande.

Assim como o primeiro, seu último trabalho foi um curta documental: Rendezvous in Space (1964), financiado pela empresa Martin Marietta e exibido na Feira Mundial de Nova York.

Capra faleceu em 3 de setembro de 1991, aos 94 anos, na cidade de La Quinta, Califórnia. Mas sua obra permanece entre nós, perpetuada por sentimentos que continuarão atuais enquanto o homem for homem.

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