
“Eu não era uma atriz nata. Ninguém sabe disso melhor que eu. Se eu tinha algum talento latente, tive que trabalhar duro, ouvir com cuidado e repetir inúmeras de vezes para trazê-lo à tona.”
Jean Harlow
Ela não queria ser atriz, só queria uma boa vida. Acabou se tornando uma das maiores estrelas da história do cinema e morrendo aos 26 anos. Em apenas nove anos de carreira, Jean Harlow sacudiu Hollywood e deixou marcas visíveis até hoje.
Harlean Harlow Carpenter nasceu em Kansas City, Missouri, no dia 3 de março de 1911. A família a chamava de “Baby”, um apelido que permaneceu por toda a vida e, desde cedo, se fixou de tal forma que ela só veio a saber seu verdadeiro nome aos cinco anos, na escola.
Em 1923, após o divórcio dos pais, a mãe, Jean, partiu para Hollywood com Harlean a tiracolo na esperança de se tornar atriz, mas foi considerada velha demais para iniciar uma carreira. Cerca de dois anos depois, sem dinheiro, as duas foram forçadas a voltar para Kansas City quando o pai de Jean ameaçou deserdá-la. Em seguida, ele mandou a neta para uma colônia de férias, onde ela contraiu escarlatina.

A mãe e a filha casaram em 1927: Jean, com Marino Bello, um golpista ligado à máfia, e Harlean, aos 16 anos, com Chuck McGrew, herdeiro de uma grande fortuna e quatro anos mais velho. Quando Chuck recebeu parte da herança, o casal foi morar em Beverly Hills, onde levava uma vida luxuosa e regada a álcool. Os dois se separaram em 1929.
Certo dia, Rosalie Roy, uma amiga que teve uma breve carreira como atriz entre as décadas de 1930 e 1940, pediu a Harlean uma carona até a Fox. Enquanto esperava, Harlean foi abordada por executivos do estúdio, mas disse que não estava interessada. No entanto, desafiada por Rosalie e pressionada pela dominadora Jean, dias depois ela foi à agência de casting e se inscreveu com o nome de solteira da mãe: Jean Harlow. Após recusar várias ofertas, ainda em 1928 ela apareceu como extra em seu primeiro filme, A caminho da honra (Honor Bound).
Em 1929, Harlow apareceu em três curtas da dupla O Gordo e o Magro e no musical Alvorada do amor (The Love Parade), com Maurice Chevalier e Jeanette MacDonald. Teve seu primeiro papel com falas em Uma pequena das minhas (The Saturday Night Kid), com Clara Bow.

A brincadeira ficou séria quando ela foi apresentada ao excêntrico produtor Howard Hughes, que estava em busca de uma nova protagonista para Anjos do Inferno (Hell’s Angels, 1930). Originalmente idealizado como mudo, Hughes decidiu transformá-lo em falado, o que o obrigou a refazer quase todo o filme e a dispensar a norueguesa Greta Nissen, devido ao sotaque. Harlow então assinou um contrato de cinco anos, pelo salário de 100 dólares por semana.
Anjos do Inferno foi a maior bilheteria de 1930, transformando Harlow em uma estrela internacional. No entanto, apesar do sucesso comercial, o desempenho da atriz não caiu nas graças da crítica. No ano seguinte, ela trabalhou novamente como extra em Luzes da cidade (City Lights), de Charlie Chaplin, mas sua participação acabou fora da edição final.
Então o produtor a enviou para premières de Anjos do Inferno em Nova York, Seattle e Kansas City e em uma turnê publicitária, mas as aparições ao vivo não deram muito certo para a tímida Jean. Hughes também a emprestou para outros estúdios, onde ela apareceu em filmes como A guarda secreta (The Secret Six, 1931), com Clark Gable e Wallace Beery, na MGM, e Inimigo público (The Public Enemy, 1931), com James Cagney, na Warner.

Nessa época, Harlow teve um breve relacionamento com o gângster Abner “Longie” Zwillman, conhecido como “o Al Capone de Nova Jersey”. Zwillman conseguiu para ela um contrato de dois filmes com a Columbia Pictures. O primeiro deles foi Loura e sedutora (Platinum Blonde, 1931), que ganhou esse título para promover a imagem da atriz e seus cabelos platinados.
A cor supostamente era alcançada com uma mistura de amônia, água oxigenada e sabão, que danificava os cabelos de Harlow. Muitas fãs começaram a pintar o cabelo para imitá-la, e Hughes organizou um concurso oferecendo 10 mil dólares ao esteticista que conseguisse igualar o tom – ninguém conseguiu.
Jean virou mania nacional. Interpretando jovens sensuais e ousadas, causava rebuliço com seus papéis e começava a se tornar o maior símbolo sexual de Hollywood. Conta a história que ela não usava roupas de baixo e, antes das filmagens, costumava passar gelo nos mamilos para parecer mais sexy. No entanto, na vida pessoal era tímida e sensível, e os colegas a descreviam como uma menininha. Além disso, mesmo depois da fama, vivia sob o domínio da mãe, agora conhecida como “Mama Jean”, que gostava de controlar cada aspecto da vida da filha.

Após o segundo filme na Columbia, 3 garotas ladinas (Three Wise Girls, 1932), o produtor Paul Bern, que Harlow havia conhecido durante as filmagens de Anjos do Inferno, arranjou um novo empréstimo à MGM, para atuar em A fera da cidade (The Beast of the City, 1932). Em seguida, programou uma turnê de dez semanas pela Costa Leste, que lotou os teatros por onde passou. Em fevereiro de 1932, quando o filme foi lançado, a turnê foi estendida em seis semanas.
Nascido na Alemanha em 1889, Bern era tido como um homem erudito e compreensivo, conhecido como o “padre confessor de Hollywood”. Namorou estrelas como Joan Crawford e Sally Rand. Logo se tornou uma figura protetora para Jean, e os dois iniciaram um relacionamento.

Depois de A fera da cidade, Bern tentou convencer a MGM a contratá-la em definitivo. Apesar da resistência inicial, seu amigo Irving Thalberg concordou, e em 3 de março de 1932, dia do 21º aniversário de Jean, Bern informou a ela que o estúdio havia comprado seu contrato de Hughes.
Na marca do leão, Harlow começou a ganhar papéis melhores e teve a oportunidade de explorar seu talento cômico. Seu primeiro trabalho foi A mulher parisiense dos cabelos de fogo (Red-Headed Woman, 1932), no qual ela interpreta uma jovem gananciosa que não mede esforços para conquistar um homem rico. Logo após o lançamento, em julho, Jean e Bern se casaram.
Em seguida, Harlow estrelou o provocante Terra de paixões (Red Dust, 1932), seu segundo filme com Clark Gable. Jean e Clark se tornaram grandes amigos. Enquanto todas a chamavam de Baby, ele a chamava de “Sis”. Gable frequentava a casa dela e também se tornou amigo do seu padrasto, Marino Bello, com quem praticava seu hobby preferido, caçar e pescar, além de outras atividades menos ortodoxas. Ao todo, Harlow e Gable fizeram seis filmes juntos – depois de Terra de paixões, vieram Para amar e ser amada (Hold Your Man, 1933), Mares da China (China Seas, 1935), Ciúmes (Wife vs. Secretary, 1936) e Saratoga (1937).

Em 5 de setembro, apenas dois meses após o casamento, Paul Bern foi encontrado morto em casa com um tiro na cabeça. Antes que a polícia chegasse, Irving Thalberg e outros executivos da MGM já estavam lá. Uma enigmática nota foi encontrada:
“Minha querida,
Infelizmente este é o único modo de consertar o terrível mal que lhe fiz e apagar a minha abjeta humilhação. Eu te amo.
Paul
Você entende que a noite passada foi apenas uma comédia.”
A princípio, Jean foi considerada suspeita, mas o caso foi arquivado como suicídio. Ao longo dos anos, uma série de teorias bizarras surgiu, incluindo uma suposta impotência sexual de Bern, mas é possível que ele tenha sido assassinado pela sua ex-companheira Dorothy Millette, que tinha problemas mentais e se matou pouco tempo depois.
Ao tribunal, Harlow disse apenas que não sabia de nada e não se pronunciou publicamente sobre o caso. Pouco tempo depois, se envolveu com o pugilista Max Baer, que, embora já separado da esposa, Dorothy Dunbar, ainda era legalmente casado. Dunbar então ameaçou entrar com um pedido de divórcio por adultério.
Para abafar os sucessivos escândalos, a MGM arranjou um casamento entre Jean e o diretor de fotografia Harold Rosson. Como eram amigos, os dois aceitaram a proposta. Harlow e Rosson se casaram em setembro de 1933 e se separaram discretamente oito meses depois.

Em 1934, pouco depois de se separar de Rosson, Jean conheceu o ator William Powell, por quem logo se apaixonou. Até a morte dela, em 1937, os dois mantiveram um relacionamento discreto, que não agradava à MGM. Entre os inúmeros boatos que rondam a doença e morte de Harlow, está o de que ela teria feito um aborto, por pressão ou do estúdio, ou de Powell. O casal trabalhou junto em dois filmes: o musical Tentação dos outros (Reckless, 1935) e a comédia Casado com minha noiva (Libeled Lady, 1936).

Harlow nunca teve uma saúde das mais fortes. Em janeiro de 1937, após uma desgastante viagem a Washington para participar do aniversário do presidente Franklin D. Roosevelt, ela contraiu uma gripe. Em março, o início da produção do seu último filme, Saratoga, teve de ser adiado para o final de abril quando Jean teve uma septicemia após extrair os sisos e precisou ser internada. Ela começou a ganhar peso e se queixar de sintomas como fadiga, náusea e dores abdominais.
Em 29 de maio, quando filmavam uma cena em que Gable devia pegá-la no colo, ele sentiu que Jean estava flácida e suada. Após ser reanimada, ela foi levada para casa. No dia seguinte, Powell enviou um médico, que diagnosticou uma inflamação na vesícula biliar. Enquanto isso, Mama Jean atendia às ligações dizendo que a filha estava melhor. Uma semana depois, Clark foi visitá-la e notou que ela estava inchada e seu hálito cheirava a urina. Um segundo médico foi chamado e detectou insuficiência renal. Harlow foi internada e entrou em coma, falecendo na manhã do dia seguinte, 7 de junho de 1937.
Durante décadas correu a lenda de que Mama Jean, adepta da ciência cristã, se recusou a permitir que a filha recebesse tratamento. Porém, ao longo da doença, não faltaram visitas de médicos e enfermeiras, além de equipamentos trazidos do hospital.
A MGM preparou um funeral espetacular para a sua estrela. Jeanette MacDonald e Nelson Eddy cantaram na cerimônia, e Gable foi um dos carregadores do caixão. Harlow foi enterrada num mausoléu de 25 mil dólares que Powell comprou para ela, ele e Mama Jean.

A princípio, o estúdio anunciou que Saratoga seria cancelado, mas voltou atrás e concluiu as filmagens com dublês de corpo e voz. O filme acabou se tornando a maior bilheteria da carreira de Harlow, um justo réquiem para a atriz cujo sucesso ajudou a moldar Hollywood e influenciou tantas outras que vieram depois.




























